Freud e a fantasia


A  Freud ousou   colocar as  fantasias, os sonhos, os esquecimentos, a interioridade do homem, como  problemas científicos

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CAPiTULO 5

Compreender a Psicanálise significa percorrer novamente o
trajeto pessoal de Freud, desde a origem dessa ciência e durante
grande parte de seu desenvolvimento. A relação entre autor e obra
torna-se mais significativa quando descobrimos que grande parte de
sua produção foi baseada em experiências pessoais, transcritas com
rigor em várias de suas obras, como A interpretação dos sonhos e A
psicopatologia da vida cotidiana, dentre outras.

Compreender a Psicanálise significa, também, repetir, no
nível pessoal, a experiência inaugural de Freud e buscar "descobrir"
as regiões obscuras da vida psíquica, vencendo as resistências
interiores, pois, se ela foi realizada por Freud, "não é uma aquisição
definitiva da humanidade, mas tem que ser realizada de novo por
cada paciente e por cada psicanalista"2.

A PSICANÁLISE

"Se fosse preciso concentrar numa palavra a descoberta freudiana, essa palavra seria
incontestavelmente inconsciente"l.

SIGMUND FREUD

s teorias científicas surgem influenciadas pelas condições da vida
social, nos seus aspectos econômicos, políticos, culturais etc. São
produtos históricos criados por homens concretos, que vivem o seu
tempo e contribuem ou alteram, radicalmente, o desenvolvimento
da Ciência.

Sigmund Freud (1856-1939) foi um médico vienense que
alterou, radicalmente, o modo de pensar a vida psíquica. Sua
contribuição é comparável à de Karl Marx na compreensão dos
processos históricos e sociais. Freud ousou colocar os "processos
misteriosos" do psiquismo, suas "regiões obscuras", isto é, as
fantasias, os sonhos, os esquecimentos, a interioridade do homem,
como problemas científicos. A investigação sistemática desses
problemas levou Freud à criação da Psicanálise.

O termo psicanálise é usado para se referir a uma teoria, a um
método de investigação e a uma prática profissional. Enquanto
teoria, caracteriza-se por um conjunto de conhecimentos
sistematizados sobre o funcionamento da vida psíquica. Freud
publicou uma extensa obra, durante toda a sua vida, relatando suas
descobertas e formulando leis gerais sobre a estrutura e o
funcionamento da psique humana. A Psicanálise, enquanto método
de investigação, caracteriza-se pelo método interpretativo, que
busca o significado oculto daquilo que é manifesto através de ações
e palavras ou através das produções imaginárias, como os sonhos,
os delírios, as associações livres. A prática profissional refere-se à
forma de tratamento psicológico (a análise), que visa a cura ou o
autoconhecimento.

Sigmund Freud o
fundador

da Psicanálise

A GESTAÇÃO DA PSICANÁLlSE

Freud formou-se em Medicina na Universidade de Viena, em
1881, e especializou-se em Psiquiatria. Trabalhou algum tempo em
um laboratório de Fisiologia e deu aulas de Neuropatologia no
instituto onde trabalhava. Por dificuldades financeiras, não pôde
dedicar-se integralmente à vida acadêmica e de pesquisador.

1. .J. Laplanche e J.-B. Pontalis. Vocabulário da Psicanálise. p. 307

2.R. Mezan.. Freud: A trama dos conceitos. p. 35

67

 


 

 Estas idéias e

 sentimentos

 foram

 reprimidos e

 substituídos

pelos sintomas.

Esta liberação
de afetos leva

 à eliminação

dos sintomas.

(jH

Começou então a clinicar, atendendo pessoas acometidas de
"problemas nervosos". Obteve, ao final da residência médica, uma
bolsa de estudo para Paris, onde trabalhou com Jean Charcot,
psiquiatra francês que tratava as histerias com hipnose. Em 1886,
retornou a Viena e voltou a clinicar, e seu principal instrumento de
trabalho na eliminação dos sintomas dos distúrbios nervosos passou
a ser a sugestão hipnótica.

Em Viena, o contato de Freud com Josef Breuer, médico e
cientista, também foi importante para a continuidade das in-
vestigações. Nesse sentido, o caso de uma paciente de Breuer foi
significativo. Ana O. apresentava um conjunto de sintomas que a
fazia sofrer, isto é, distúrbios somáticos que produziam paralisia
com contratura muscular, inibições e dificuldades de pensamento.
Esses sintomas tiveram origem no período em que ela cuidara do
pai enfermo. No período em que cumprira essa tarefa, ela havia tido
pensamentos e afetos que se referiam a um desejo de que o pai
morresse. Estas idéias e sentimentos foram reprimidos e
substituídos pelos sintomas.

Em seu estado de vigília, Ana O. não era capaz de indicar a
origem de seus sintomas, mas, sob o efeito da hipnose, relatava a
origem de cada um deles, que estavam ligados a vivências
anteriores da paciente, relacionadas com o episódio da doença do
pai. Com a rememoração destas cenas e vivências, os sintomas
desapareciam. Este desaparecimento dos sintomas não ocorria de
forma "mágica", mas devido à liberação das reações emotivas
associadas aos eventos traumáticos.

Breuer denominou método catártico o tratamento que
possibilita a liberação de afetos e emoções ligadas a acontecimentos
traumáticos que não puderam ser expressos na ocasião da vivência
desagradável ou dolorosa. Esta liberação de afetos leva à
eliminação dos sintomas.

Freud, em sua Autobiografia, afirma que desde o início de
sua prática médica usara a hipnose, não só com objetivos de su-
gestão, mas também para obter a história da origem dos sintomas.
Posteriormente, passou a utilizar o método catártico e, "aos poucos,
foi modificando a técnica de Breuer: abandonou a hipnose, porque
nem todos os pacientes se prestavam a ser hipnotizados;
desenvolveu a técnica de 'concentração', na qual a rememoração
sistemática era feita por meio da conversação normal; e por fim,
acatando a sugestão (de uma jovem) anônima, abandonou as
perguntas - e com elas a direção da sessão para se confiar por
completo à fala desordenada do paciente"3

3. R. Mezan. Op. Cit. p. 52

A DESCOBERTA DO INCONSCIENTE

"Qual poderia ser a causa de os pacientes esquecerem tantos
fatos de sua vida interior e exterior...?"4, perguntava-se Freud.

O esquecido era sempre algo penoso para o indivíduo, e era
exatamente por isso que havia sido esquecido. Quando Freud
abandona as perguntas no trabalho terapêutico com os pacientes e
os deixa dar livre curso às suas idéias, observa que, muitas vezes,
os pacientes ficavam embaraçados, envergonhados com algumas
idéias ou imagens que Ihes ocorriam. A esta força psíquica que se
opunha a tornar consciente, a revelar um pensamento, Freud
denominou resistência. E chamou de repressão o processo
psíquico que visa encobrir, fazer desaparecer da consciência, uma
idéia ou representação insuportável e dolorosa que está na origem
do sintoma. Estes conteúdos psíquicos "Iocalizam-se" no
inconsciente.

Tais descobertas "(...) constituíram a base principal da
compreensão das neuroses e impuseram uma modificação do
trabalho terapêutico. Seu objetivo (...) era descobrir as repressões e
suprimilas através de um juízo que aceitasse ou condenasse
definitivamente o excluído pela repressão. Considerando este novo
estado de coisas, dei ao método de investigação e cura resultante o
nome de psicanálise em substituição ao de catártico"5.

A PRIMEIRA TEORIA SOBRE A ESTRUTURA DO
APARELHO PSÍQUICO

Em 1900, no livro A interpretação dos sonhos, Freud
apresenta a primeira concepção sobre a estrutura e funcionamento
da personalidade. Essa teoria refere-se à existência de três sistemas
ou instâncias psíquicas: inconsciente, pré-consciente e consciente.

O inconsciente exprime o "conjunto dos conteúdos não
presentes no campo atual da consciência"6. É constituído por
conteúdos reprimidos, que não têm acesso aos sistemas pré-
consciente/consciente, pela ação de censuras internas. Estes
conteúdos podem ter sido conscientes, em algum momento, e ter
sido reprimidos, isto é, "foram" para o inconsciente, ou podem ser
genuinamente

,4. S, Freud, Autobiografia. In: Obras completa. Ensayos XCVIII AL CCIII, Madri.
Biblioteca Nueva. T. III, p. 2773 (Trecho trad. autores)

5. Id. Ibid. p, 2774

6.J. Laplanche. J.-B. Pontalis, Op, cit. p, 306

dei ao
método de
Investigação e
cura resultante
o nome de
psicanálise.

69

 


 

 ... descobriu

que a grande

 maioria de

pensamentos e

 desejos

 reprimidos

 referiam-se a

 conflitos de

 ordem sexual

70

inconscientes. O inconsciente é um sistema do aparelho
psíquico regido por leis próprias de funcionamento. Por
exemplo, não existem as noções de passado e presente.

. O pré-consciente refere-se ao sistema onde permanecem
aqueles conteúdos acessíveis à consciência. É aquilo que
não está na consciência, neste momento, mas que no
momento seguinte pode estar.

. O consciente é o sistema do aparelho psíquico que recebe
ao mesmo tempo as informações do mundo exterior e as do
mundo interior. Na consciência, destaca-se o fenômeno da
percepção e, principalmente, a percepção do mundo
exterior.

No processo de desenvolvimento psicossexual, o indivíduo
tem, nos primeiros tempos de vida, a função sexual ligada à so-
brevivência, e portanto o prazer é encontrado no próprio corpo. O
corpo é erotizado, isto é, as excitações sexuais estão localizadas em
partes do corpo, e "há um desenvolvimento progressivo que levou
Freud a postular as fases do desenvolvimento sexual em: fase oral
(a zona de erotização é a boca), fase anal (a zona de erotização é o
ânus), fase fálica (a zona de erotização é o órgão sexual), em
seguida vem um período de latência, que se prolonga até a
puberdade e se caracteriza por uma diminuição das atividades
sexuais, isto é, há um "intervalo" na evolução da sexualidade. E,
finalmente, na adolescência é atingida a última fase, isto é, a fase
genital, quando o objeto de erotização ou de desejo não está mais
no próprio corpo, mas em um objeto externo ao indivíduo - o outro.

No decorrer dessas fases, vários processos e ocorrências
sucedem-se. Desses eventos, destaca-se o complexo de Édipo,
pois é em torno dele que ocorre a estruturação da personalidade do
indivíduo. Acontece entre 2 e 5 anos. No complexo de Édipo, a
mãe é o objeto de desejo do menino, e o pai é o rival que impede
seu acesso ao objeto desejado. Ele procura então assemelhar-se ao
pai para "ter" a mãe, escolhendo-o como modelo de
comportamento, passando a internalizar as regras e as normas
sociais representadas e impostas pela autoridade paterna.
Posteriormente, por medo da perda do amor do pai, "desiste" da
mãe, isto é, a mãe é "trocada" pela riqueza do mundo social e
cultural, e o garoto pode, então, participar do mundo social, pois
tem suas regras básicas internalizadas através da identificação com
o pai. Este processo também ocorre com as meninas, sendo
invertidas as figuras de desejo e de identificação. Freud fala em
Édipo feminino.

A DESCOBERTA DA SEXUALIDADE
INFANTIL

Freud, em suas investigações na prática clínica sobre as
causas e funcionamento das neuroses, descobriu que a grande
maioria de pensamentos e desejos reprimidos referiam-se a con-
flitos de ordem sexual, localizados nos primeiros anos de vida dos
indivíduos, isto é, que na vida infantil estavam as experiências de
caráter traumático, reprimidas, que se configuravam como origem
dos sintomas atuais, e confirmava-se, desta forma, que as
ocorrências deste período da vida deixam marcas profundas na
estruturação da personalidade. As descobertas colocam a
sexualidade no centro da vida psíquica, e é postulada a existência
da sexualidade infantil. Estas afirmações tiveram profundas
repercussões na sociedade puritana da época, pela concepção
vigente da infância como "inocente".

Os principais aspectos destas descobertas são:

. A função sexual existe desde o princípio da vida, logo

após o nascimento, e não só a partir da puberdade como
afirmavam as idéias dominantes.

. O período de desenvolvimento da sexualidade é longo e
complexo até chegar à sexualidade adulta, onde as funções
de reprodução e de obtenção do prazer podem estar
associadas, tanto no homem como na mulher. Esta
afirmação contrariava as idéias predominantes de que o
sexo estava associado, exclusivamente, à reprodução.

. A libido, nas palavras de Freud, é "a energia dos instintos
sexuais e só deles"7.

Explicando alguns conceitos

Antes de prosseguirmos um pouco mais acerca das
descobertas fundamentais de Freud, é necessário esclarecer alguns
aspectos que permitem compreender os dados e informações
colocados até aqui, de um modo dinâmico e sem considerá-los
descobertas cristalizadas. Além disso, estes aspectos também são
postulações de Freud, e seu conhecimento é fundamental para se
compreender a continuidade do desenvolvimento de sua teoria.

7. S, Frcud. Op. cit. p. 2777

No complexo de
Édipo, a màe é
o objeto de
desejo do
menino, e o pai
é o rival que
impede seu
acesso ao
objeto
desejado.

71

 


 

Eros é a pulsão

 de vida.

 Tonatos é a

 pulsão de

 morte.

... introduz os
conceitos de

 Id, ego e

superego para

referir-se aos
três sistemos da
personalidade

72

1. No processo terapêutico e de postulação teórica, Freud,
inicialmente, entendia que todas as cenas relatadas pelos pacientes
tinham de fato ocorrido. Posteriormente, descobriu que poderiam
ter sido imaginadas, mas com a mesma força e conseqüências de
uma situação real. Aquilo que, para o indivíduo, assume valor de
realidade é a realidade psíquica.

2. O funcionamento psíquico é concebido a partir de três
pontos de vista: o econômico (existe uma quantidade de energia
que "alimenta" os processos psíquicos), o tópico (o aparelho
psíquico é constituído de um número de sistemas que são
diferenciados quanto a sua natureza e modo de funcionamento, o
que permite considerá-lo como "lugar" psíquico) e o dinâmico (no
interior do psiquismo existem forças que entram em conflito e
estão, permanentemente, ativas. A origem dessas forças é a pulsão).
E compreender os processos e fenômenos psíquicos é considerar os
três pontos de vista simultaneamente.

3. A pulsão refere-se a um estado de tensão que busca,
através de um objeto, a supressão deste estado. Eros é a pulsão de
vida e abrange as pulsões sexuais e as de autoconservação. Tanatos
é a pulsão de morte, pode ser autodestrutiva ou estar dirigida para
fora e se manifestar como pulsão agressiva ou destrutiva.

O superego origina-se com o complexo de Édipo, a partir da
internalização das proibições, dos limites e da autoridade. A moral,
os ideais são funções do superego. O conteúdo do superego refere-
se a exigências sociais e culturais.

O ego e, posteriormente, o superego são diferenciações do id,
o que demonstra uma interdependência entre esses três sistemas,
retirando a idéia de sistemas separados. O id refere-se ao
inconsciente, mas o ego e o superego têm, também, aspectos ou
"partes" inconscientes.

É importante considerar que estes sistemas não existem
enquanto uma estrutura em si, mas são sempre habitados pelo
conjunto de experiências pessoais e particulares de cada um, que se
constitui como sujeito em sua relação com o outro e em
determinadas circunstâncias sociais.

OS MECANISMOS DE DEFESA, OU A REALIDADE COMO
ELA NÃO É

A percepção de um acontecimento, do mundo externo ou do
mundo interno, pode ser algo muito constrangedor, doloroso,
desorganizador. Para evitar este desprazer, a pessoa "deforma" ou
suprime a realidade - deixa de registrar percepções externas, afasta
determinados conteúdos psíquicos, interfere no pensamento.

São vários os mecanismos que o indivíduo pode usar para
realizar esta deformação da realidade, chamados de mecanismos de
defesa. São processos realizados pelo ego e são inconscientes.

Para Freud, defesa é a operação pela qual o ego exclui da
consciência os conteúdos indesejáveis, protegendo, desta forma, o
aparelho psíquico. O ego - uma instância a serviço da realidade
externa e sede dos processos defensivos - mobiliza estes
mecanismos, que suprimem ou dissimulam a percepção do perIgo
interno, em função de perigos reais ou imaginários localizados no
mundo exterior.

Estes mecanismos são:

. Recalque: o indivíduo "não vê", "não ouve" o que ocorre.
Existe a supressão de uma parte da realidade. Este aspecto
que não é percebido pelo indivíduo faz parte de um todo e, ao
ficar invisível, altera, deforma o sentido do todo. É como se,
ao ler esta página, uma palavra ou

A SEGUNDA TEORIA DO APARELHO PSiQUICO

Entre 1920 e 1923, Freud remodela a teoria do aparelho
psíquico e introduz os conceitos de id, ego e superego para referir-
se aos três sistemas da personalidade.

O id constitui o reservatório da energia psíquica, é onde se
"localizam" as pulsões: a de vida e a de morte. As características
atribuídas ao sistema inconsciente, na primeira teoria, são, nesta
teoria, atribuídas ao id. É regido pelo princípio do prazer.

O ego é o sistema que estabelece o equilíbrio entre as
exigências do id, as exigências da realidade e as "ordens" do
superego. Procura "dar conta" dos interesses da pessoa. É regido
pelo princípio da realidade, que, com o princípio do prazer, rege o
funcionamento psíquico. É um regulador, na medida em que altera
o princípio do prazer para buscar a satisfação considerando as
condições objetivas da realidade. Neste sentido, a busca do prazer
pode ser substituída pelo evitamento do desprazer. As funções
básicas do ego são: percepção, memória, sentimentos, pensamento.

... defesa é
a operação
pela qual o
ego exclui
da
consciência
os
conteúdos
indesejáveis

73

 


 

 

O recalque é o
mais radical
dos
mecanismos

de defesa.

74

uma das linhas não estivesse impressa, e isto impedisse a
compreensão da frase, ou desse outro sentido ao que está
escrito. O recalque, ao suprimir a percepção do que está
acontecendo, é o mais radical dos mecanismos de defesa.
Os demais referem-se a deformações da realidade.

. Formação reativa: o ego procura afastar o desejo que vai
em determinada direção, e, para isto, o indivíduo adota uma
atitude oposta a este desejo. Um bom exemplo são as
atitudes exageradas - ternura excessiva, superproteção - que
escondem o seu oposto, no caso, um desejo agressivo
intenso. Aquilo que aparece (a atitude) visa esconder do
próprio indivíduo suas verdadeiras motivações (o desejo),
para preservá-I o de uma descoberta acerca de si mesmo
que poderia ser bastante dolorosa. É o caso da mãe que
superprotege o filho, do qual tem muita raiva porque atribui
a ele muitas de suas dificuldades pessoais. Para muitas
destas mães, pode ser aterrador admitir essa agressividade
em relação ao filho.

. Regressão: o indivíduo retorna a etapas anteriores de seu
desenvolvimento; é uma passagem para modos de
expressão mais primitivos. Um exemplo é o da pessoa que
enfrenta situações difíceis com bastante ponderação e, ao
ver uma barata, sobe na mesa, aos berros. Cpm certeza, não
é só a barata que ela vê na barata.

. Projeção: é uma confluência de distorções do mundo ex-
terno e interno. O indivíduo localiza (projeta) algo _ si no
mundo externo e não percebe aquilo que foi projetado como
algo seu que considera indesejável. É um mecanismo de uso
freqüente e observável na vida cotidiana. Um exemplo é o
jovem que critica os col_gas por serem extremamente
competitivos e não se dá conta de que também o é, às vezes
até mais que os colegas.

. Racionalização: o indivídl!o constrói uma argumentação
intelectualmente convincente e aceitável, que justifica os
estados "deformados" da consciência. Isto é, uma defesa
que justifica as outras. Portanto, na racionalização, o ego
coloca a razão a serviço do irracional e utiliza para isto o
material fornecido pela cultura, ou mesmo pelo saber
científico. Dois exemplos: o pudor excessivo (formação
reativa), justificado com argumentos morais; e as
justificativas ideológicas para os impulsos des

trutivos que eclodem na guerra, no preconceito e na defesa
da pena de morte.

Além destes mecanismos de defesa do ego, existem outros:
denegação, identificação, isolamento, anulação retroativa, inversão
e retorno sobre si mesmo. Todos nós os utilizamos em nossa vida
cotidiana, isto é, deformamos a realidade para nos defender de
perigos internos ou externos, reais ou imaginários. O uso destes
mecanismos não é, em si, patológico, contudo distorce a realidade,
e é só o seu desvendamento que pode nos fazer superar essa falsa
consciência, ou melhor, ver a realidade como ela é.

PSICANÃLlSE: MÉTODO E FORMA
DE ATUAÇÃO

A função primordIal da clínica psicanalítica - a análise

é buscar a origem do sintoma, ou do comportamento manifesto, ou
do que é verbalizado, isto é, integrar os conteúdos inconscientes na
consciência com o objetivo de cura ou de autoconhecimento. Para
isso, é necessário vencer as resistências do indivíduo, que impedem
o acesso ao inconsciente.

O método para atingir esses objetivos é o da interpretação
dos sonhos, dos atos falhos (os esquecimentos, as substituições de
palavras etc.) e as associações livres. Em cada um desses caminhos
de acesso ao inconsdente é a história pessoal que conta. Cada
palavra, cada símbolo tem um significado particular para cada
indivíduo. Por isso é que se diz que, a cada nova situação, repete-se
a experiência inaugurada por Freud.

Consultório de
Freud, no qual

se destaca o

famoso divã

utilizado para
o trabalho
psicanalítico.

75

 


 

 

Sobre o inconsciente

nos assim. Tomava as várias partes de um sonho, seu ou alheio, e
fazia com que o sonhador associasse idéias e lembranças a cada
uma delas. Foi possível descobrir assim que os sonhos diziam
respeito, em parte, aos acontecimentos do dia anterior, embora se
relacionassem também com modos de ser infantis do sujeito.

Igualmente, ele descobriu algumas regras da lógica das
emoções que produz os sonhos. Vejamos as mais conhecidas. Com
freqüência, uma figura que aparece nos sonhos, uma pessoa, uma
situação, representa várias figuras fundidas, significa isso e aquilo
ao mesmo tempo. Chama-se este processo condensação, e ele
explica o porquê de qualquer interpretação ser sempre muito mais
extensa do que o sonho interpretado. Outro processo, chamado
deslocamento, é o dar o sonho uma importância emocional maior a
certos elementos que, quando da interpretação, se revelarão
secundários, negando-se àqueles que se mostrarão realmente
importantes. Um detalhezinho do sonho aparece, na interpretação,
como o elo fundamental.

Digamos que o sonho, como um estudante desatento, coloca
erradamente o acento tônico (emocional, é claro), criando um
drama diverso do que deveria narrar; como se dissesse Ésquilo por
esquilo... Um terceiro processo de formação do sonho consiste em
que tudo é representado por meio de símbolos e, um quarto, reside
na forma final do sonho que, ao contrário da interpretação, não é
uma história contada com palavras, porém uma cena visual. (...)

Do conjunto de associações que partem do sonho, o intér-
prete retira um sentido que lhe parece razoável. Para Freud, e para
nós, todo sonho é uma tentativa de realização do desejo. (...)

Será tudo apenas um brinquedo, uma charada que se inventa
para resolver? Não, por certo; (...).

Apenas você deve compreender que o inconsciente psica-
nalítico não é uma coisa embutida no fundo da cabeça dos homens,
uma fonte de motivos que explicam o que de outra forma ficaria
pouco razoável - como o medo de baratas ou a necessidade de
autopunição. Inconsciente é o nome que se dá a um sis(('(na lógico
que, por necessidade teórica, supomos que opere na mente das
pessoas, sem no entanto afirmar que, em si mesmo, ._ej(J assim ou
assado. Dele só sabemos pela interpretação.

É comum imaginarmos a Psicanálise acontecendo num con-
sultório com um paciente deitado num divã, até porque esta tem
sido, tradicionalmente, a sua prática. Porém, coexistindo com isto,
é possível observar o esforço de estudiosos no sentido de ampliar o
raio de contribuição da Psicanálise aos fenômenos de grupos, às
práticas institucionais e à compreensão de fenôme

nos sociais, como a violência e a delinqüência, por exemplo.

Aliás, o próprio Freud, em várias de suas obras - O malestar
na civilização, Psicologia de massa e análise do ego, Reflexões
para os tempos de guerra e morte -, coloca questões sociais e ainda
atuais como objeto de reflexão.

Portanto, além das contribuições para a revisão de práticas
profissionais, buscando, por exemplo, um atendimento ao doente
mental que supere o isolamento dos manicômios, a maior
contribuição da Psicanálise é indicar que o mais importante na
sociedade não é a representação que ela faz de si, ou suas mani-
festações mais elevadas, mas aquilo que está além dessas apa-
rências. Isto é, a angústia difusa, o aumento do racismo, a viti-
mização das crianças, o terrorismo. Em suma, a Psicanálise nos faz
ver aquilo que mais nos incomoda: a possibilidade constante de
dissociação dos vínculos sociais.

TEXTO COMPLEMENTAR

Que significa haver o inconsciente? Em primeiro lugar (...)
uma certa forma de descobrir sentidos, típica da interpretação
psicanalítica. Ou seja, tendo descoberto uma espécie de ordem nas
emoções das pessoas, os psicanalistas afirmam que há um lugar
hipotético donde elas provêm. É como se supuséssemos que
existe um lugar na mente das pessoas que funciona à semelhança
da interpretação que fazemos; só que ao contrário: láse cifra o que
aqui deciframos.

Veja os sonhos, por exemplo. Dormindo, produzimos es-
tranhas histórias, que parecem fazer sentido, sem que saibamos
qual. Chegamos a pensar que nos anunciam o futuro, simplesmente
porque parecem anunciar algo, querer comunicar algum sentido.
Freud, tratando dos sonhos, partia do princípio de que eles diziam
algo e com bastante sentido. Não, porém, ° futuro. Decidiu
interpretá-los. Sua técnica in(erprf'(a(iva era mais ou me

 Fábio Herrmann. o que é Psicandlise. Silo Paulo,

Abril Cultural/Brnslllcnsc, 1984. (Colcçllo Prlmclros

 Passos,, 12) p. 33-6

70

77

 


 

 
BIBLlOGRAFIA INDICADA

para o aluno

1. Quais os tres usos do termo psicanálise?

2. Quais são as práticas de Freud que antecederam a formulação da teoria psicanalftica?

3. Ouais foram as descobertas finais que configuraram a criaçãoda Psicanálise?

4. Como se caracteriza a primeira teoria sobre a estrutura do aparelho psíquico?

5. O que Freud descobriu de importante sobre a sexualidade?

6. Como se caracterizam as fases do desenvolvimento sexual?

7. Caracterize o complexo de Édipo.

8. O que é realidade psfquica?

9. Como se caracterizam os modelos econômico, tópico e dinâmico do funcionamento
psíquico?

10. Como se caracteriza a pulsão?

11. Como se caracteriza a segunda teoria do aparelho psíquico?

12. Como se caracteriza o método de investigação da Psicanálise? E a prática terapêutica?

13. Oual a função e como operam os mecanismos de defesa do ego?

Questões para debate em grupo

1. Ouais são os ensinamentos que a interpretação dos sonhos nos
propicia? Utilize o texto complementar como referência para esta
discussão.

o livro de Fábio Herrmann, O que é Psicanálise (São Paulo,
Abril Cultural/Brasiliense, 1984. Coleção Primeiros Passos), é um
livro introdutório aos principais conceitos da Psicanálise. A
linguagem é fácil e atraente. Renato Mezan em seu livro Sigmund
Freud, série Encanto Radical (São Paulo, Brasiliense, 1982), situa
historicamente o aparecimento da Psicanálise, os dados biográficos
de Freud e os conceitos fundamentais da teoria, É uma boa
referência para se iniciar um estudo da Psicanálise.

78

Para o professor

As obras completas de Sigmund Freud estão editadas no
Brasil pela editora Imago, Rio de Janeiro. Nela estão contidas sua
Autobiografia (histórico das descobertas do autor) e ás Cinco
conferências (exposição sistemática e introdutória da teoria
psicanalítica).

O livro Noções básicas de Psicanálise: introdução à
Psicologia psicanalítica, de Charles Brenner (5. ed. Rio de Janeiro,
Imago, 1987), é bastante utilizado pelos iniciantes no estudo da
Psicanálise e fornece uma visão ampla dos fundamentos dessa
teoria.

Para consultas específicas sobre a terminologia psicanalítica,
bem como as diferentes formas de conceituar o mesmo fenômeno
ou processo na teoria de S. Freud, existe o livro de J. Laplanche e
J.B. Pontalis, Vocabulário da Psicanálise (São Paulo, Martins
Fontes, s. d). Esté é um livro bastante conceitua do pelo rigor e
exatidão das concepções freudianas. .

Freud. além da Alma Direção John Huston (EUA,1962)

O filme mostra o início dos trabalhos de Freud em Viena,
enfocando sua teoria sobre interpretação dos sonhos. Mostra tam-
bém a rejeição da comunidade médica às suas idéias.

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